É mais uma noite que sei, vou passar acordado alimentando esses problemas que talvez nem aflijam ninguém, mas a mim me arrematam, jogando-me no mais profundo dos infernos, hoje é uma daquelas noites que deveria tomar um porre e deixar o sagrado álcool fazer o efeito necessário, o do sono, mas não bebi erro meu erro só meu.
Desde que acordei percebi que não era um bom dia para levantar da cama, acordei com o pé esquerdo, pé esse que ao entrar na pantufa de veado que minha filha deu-me de presente e minha esposa obrigou-me a fingir gratidão, bom isso não vem ao caso, mas já foi dito, então ao enfiar o meu bendito pé naquela maldita pantufa, pisei na merda que meu cachorro o infeliz Rauf havia me congratulado, ok mesmo assim fui tomar banho, e água quente no chuveiro não tinha, resignei-me a tomar banho frio, após meia hora tremendo no quarto de tanto frio devido ao maravilhoso banho, fui tomar meu café da manhã que a flor-mulher prepara com todo cuidado e dedicação, sentei-me a mesa e ao beber o leite senti um gosto novo em minha boca, caro leitor, desde já digo que não será nada agradável ler o que agora vou escrever, então já avisado, continuo... Sinto um gosto novo ao beber o leite morno, quando retiro da boca vejo que duas moscas nadam fagueiras no meu gracioso néctar sendo que a terceira acaba de se esmagar em minha boca.
Saio de casa meio ressentindo os bolores da minha manhã nada agradável, vou até a garagem para pegar meu carro, penso melhor e desisto, pois com a raiva que eu estou sentindo se alguém me tranca no trânsito, saio do carro e mato o pobre infeliz que ousou atravessar meu caminho nesse dia tão mesquinho, pego o primeiro táxi que vejo pela frente, percebo que fiz bem, o trânsito estava infernal.
Sou muito Caxias, sempre sou o primeiro a chegar à redação, mas como hoje não era meu dia de sorte, devido o taxista ser um lerdo e todos os motoristas do mundo querer dar umas voltas de carro eu cheguei quinze minutos atrasados, o editor chefe do jornal decidiu dar uma de competente e me chamou para uma conversa tendo como motivo principal, porém não o único meu atraso de quinze minutos.
Dentro daquela sala me senti um verme, recebo reclamações e ordens de um moleque que mal sabe como escrever o próprio nome, não isso não é justo!
Tenho ímpetos de socar-lhe o rosto até poder enxergar meus dedos vermelhos com o sangue do moleque mau criado, tenho vontade de jogar seu corpo junto com o terno caro e bem engomado na parede e dizer-lhe umas poucas e boas, mas nada acontece além da vontade, escuto-lhe reclamar do meu atraso, do meu desleixo com as minhas roupas de ir trabalhar e como se isso tudo fosse pouco vejo brotar-lhe da boca a seguinte frase: “__ Suas crônicas eram boazinhas na época em que meu velho pai era o editor, no final da ditadura militar, mas agora o tempo é outro o mercado pede mais fúria, mas dúvidas, e é exatamente o que eu quero que faça de hoje em diante, eu quero mais verdade, fúria nua e crua, quero ira, é isso que se vende.”
Um fedelho que mal saiu dos cueiros vem dar palpites em minhas crônicas! Sou um lixo por permitir que tal fato tenha ocorrido.
Saí da sala, calado como um menino que apanha do colega na escola e quando chega a casa procurando o colo do pai para dar-lhe consolo apanha do pai para que nunca mais apanhe de ninguém na escola, saí encabulado, vencido, rendido, comprado e corrompido. Passei o dia na redação como um zumbi, um mero remendo do homem que outrora fui.
Ao anoitecer fui pra casa onde me esperava com um sorriso largo a flor-mulher, beijei-a, esse foi o único momento de alegria do dia, olhei para o lado minha filha olhava pra mim com os olhos esbugalhados e orgulhosos e com toda voracidade peculiar dos jovens me diz que acabara de receber o resultado do vestibular e tinha passado para jornalismo, nada falei, mas por minha feição percebeu com tristeza que nem de longe era isso que eu queria pra ela.
Senti-me beirando um abismo, sei que fui um lixo de pai por não parabenizar minha filha, mas não sou hipócrita, não posso apoiar aquilo que aos poucos deixo de acreditar, foi aí que pensei, se o “grande editor” deseja fúria, verdade, ira então tenho que dar a César o que é de César.
E foi assim que decidi escrever essa crônica intitulada A fúria.
Peço perdão se fui muito detalhista, muito furioso ou verdadeiro, mas se assim não o fosse talvez não mais fosse eu e sim um moleque que apanha na escola e ao chegar à casa de olho roxo jura para o pai que caiu da bicicleta, ou seja, se não escrevesse o que escrevi ou como escrevi seria um covarde.
Parabéns filha amada, espero que você seja bem melhor do que seu velho pai!
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